Metáforas de alimentação como gênese de expressão do povo brasileiro
Por José Paulo Oliveira
Oswald de Andrade definiu o brasileiro como "uma mistura de floresta com escola, um misto de dormenenêqueobichovempegá com equações".
Nosso falar mole e descansado conserva, perante a comida, um respeitoso vínculo, profundo e quase umbilical.
Vítima da miséria secular, a gente brasileira encontrou nas metáforas ligadas à alimentação uma forma genuína de expressar-se, de representar e recriar o mundo.
Expressões culinárias
Linguagem rica, banquete pra mais de mil talheres.
Se vingança é prato que se come frio, o gostinho da vitória terá de ser saboreado.
Desaforos não devem ser engolidos, pessoas inflexíveis e de temperamento forte são pão, pão, queijo, queijo e gente de má índole é farinha do mesmo saco.
Tua batata tá assando. Perigo iminente! Farinha pouca? Meu pirão primeiro. A mais pura definição do salve-se quem puder.
A situação vai melhorar? Batata: junto com as boas novas vem, no pacote, um angu de caroço.
Enquanto os políticos falam abobrinha e são tratados a pão de ló, o povo continua comendo o pão que o diabo amassou.
Dá pra pagar as contas? Mamão com açúcar? Que nada... Sobreviver continua osso duro de roer.
Essas e outras tantas expressões, todo brasileiro sabe. Conhecê-las faz parte de nossa educação florestal; desconhecê-las é desentender as motivações que alimentam nossa alma.
Educação culinária
Em um país de tanta abundância e tão pouca oportunidade para tantos, há quem acredite que a nova classe C está destinada a ficar por cima da carne seca e tirar a barriga da miséria. Nem nos causa estranheza que nossos ministros sejam fritados ou a liberação de recursos para a saúde e a educação seja eternamente cozinhada em fogo brando e mantida em banho-maria. Aliás, quem é que não sabe que tudo aqui acaba em pizza?
No Brasil, fast-food e alopatia convivem na boa com a mamadeira, a canjica, os chás de erva-cidreira e erva-doce. Geleia global.
Tudo bem que os americanos tenham o seu "piece of cake", designativo das coisas fáceis de obter. Houve tempo em que eles só souberam da fartura e não sentiram na carne o que é ter de descascar um abacaxi, resolver um pepino, encarar uma batata quente e enfrentar o angu de caroço que é o nosso dia a dia.
Afinal, mesmo em crise, eles ainda ganham em dólar. E comem como poucos...
José Paulo Oliveira é professor, consultor de comunicação e coautor, ao lado de Carlos Alberto Motta, de Como Escrever Melhor (Publifolha, 2000)
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