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terça-feira, 15 de maio de 2012

Uma verdadeira tempestade de lugares-comuns



Escrito por Raimundo Carrero


Flaubert já se preocupava muito com os lugares-comuns e as frases feitas dos escritores. Chegou a escrever um dicionário enumerando as frases repetidas à exaustão pelos franceses. Entre nós, Fernando Sabino fez o mesmo. Ainda assim, sob a alegação de que escrever é um dom, mas um dom que não precisa ser aperfeiçoado, continuamos a escrever frases que, em outras circunstâncias, seriam completamente abandonadas. Senão vejamos:

1 - Tenho uma ideia na cabeça
Nada mais bobo. Ideias só existem na cabeça. Basta escrever “Tenho uma ideia”. Não será nos ombros nem nos braços, todos entendem claramente.

2 - O craque jogou muito bem enquanto esteve em campo
Claro. “Enquanto esteve em campo” é abuso. Fora do campo ele não joga. Substituído, não participa da partida, é obvio, portanto, não merece análise.

3 - Depois da solenidade foi servido coquetel aos presentes
E os ausentes não puderam beber nem comer. Que tal cortar?

4 - Atirou no amigo
Amigo não atira no outro. Nunca escreva isso. Jamais.

5 - Está correndo atrás do prejuízo
Imagina se encontra. Bobagem ilimitada.

6 - A chuva que caiu ontem
Chuva não sobe nunca. Por favor, esqueça.

7 - Mulher, via de regra, é romântica
Via de regra? Que barbaridade é esta? Nunca escreva esta bobagem. Refaça agora, urgentemente.

8 - Numa manhã ensolarada
Lugar-comum horrível. Pare agora.

9 - A mulher caiu nos braços do marido
Nunca, jamais. Se você quer ser escritor com frases assim, esqueça.

10 - Astro rei... lábios vermelhos... lua de prata
Nem pense. Mude de atividade.

11 - Premido pelas circunstâncias
Esqueça, esqueça... isso não se faz... Apague e desista...

Este é apenas um exemplo muito rápido daquilo que encontramos em alguns livros, em alguns textos que causam surpresa. É preciso estar atento, todo cuidado é pouco para que você não aceite esse tipo de inspiração. Com certeza, não é inspiração, mas cópia do muito medíocre que vai se repetindo, repetindo, e formando a má literatura que contamina muitos escritores, sobretudo os iniciantes. Expressões como essas não passam numa oficina de criação literária, porque o professor estará sempre atento. O trabalho não acaba aí. Muita coisa ainda precisa ser dita...

12 - O profeta foi acompanhado por uma grande multidão
No Novo testamento esta frase aparece com frequência. Deve ser erro dos tradutores. Multidão é o coletivo de muita gente. Por que jornalistas e escritores gostam tanto dessa redundância?

13 - Aonde você está?
Aonde é para movimento e onde para lugares fixos. Imagine uma pessoa explicando aonde está...

14 - em vida, O escritor publicou apenas um livro...
É claro, ninguém publica depois de morto. Há livros póstumos. Respeito. Minha posição, porém, é de descrença...Tudo bem. Um autor, porém, não publica depois que morre. Os espíritas acreditam que sim. Mas é algo espírita...

É assim que as oficinas procuram desenvolver o processo criativo, ao lado dos estudos de técnicas dos autores mais sofisticados e imprescindíveis. Por isso é fundamental a presença de um professor com grande experiência na arte de escrever romances, novelas e contos, isto é, com experiência de fazer, de montar e remontar histórias, desde as mais simples às mais complexas.

http://www.suplementopernambuco.com.br/index.php/component/content/article/16-raimundo-carrero/606-uma-verdadeira-tempestade-de-lugares-comuns.html

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