Quem sou eu

Minha foto
Agrônomo, com interesses em música e política

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Direto de Philly (2) - O Steve e a Sandy

Por Lucas Barros

Quem vem pesquisar na minha área na Wharton School é recebido pelo impagável Steve, antropólogo que virou secretário e faz-tudo. Quase sempre de bermuda e sandália de couro, mesmo no inverno(!), essa mistura de lenhador canadense e militante anarquista é nosso consultor para assuntos norte-americanos. Sabe tudo de história, geopolítica e o que mais você perguntar. Seu prazer maior é contar estórias espantosas e criticar os EUA e a mídia – se te pega pra conversar, lá se foi sua tarde.

Numa dessas, o Steve pergunta, com característica fala pausada e voz gutural: “vocês estão preparados para a Sandy?”. “Que Sandy?”, retruquei, enquanto o cérebro disparava associações estapafúrdias: “será que ela vem fazer um show aqui? Até isso o homem conhece?”. Ele explicou... É o que dá não ter TV nem jornal em casa.


Sandy


Logo descobri que o assunto dominava a imprensa, mas não me assustei, sabendo que o Steve é chegado num exagero e que o povo aqui é paranoico com eventos climáticos. A previsão do tempo toma um terço do noticiário nos dias normais, é incrivelmente detalhada. Se vem tempestade, não se fala em outra coisa. Eles têm lá sua razão, é claro, mas há também um tanto de entretenimento mórbido, bem ao estilo dos nossos programas policiais. Segundo o Steve, esta cultura começou depois da Grande Nevasca de 1888 (The Great Blizzard). Nova Iorque foi surpreendida pela tempestade numa manhã de segunda-feira, centenas morreram congelados a caminho do trabalho, nas ruas e calçadas – tragédia total. O serviço de previsão do tempo estava fechado no dia anterior.

Back to Sandy, não tardaram as notícias dando conta de que estávamos na rota da tempestade/furacão – e que ela podia ser pior do que a tal Grande Nevasca. A recomendação era guardar comida e água potável em casa. E quem estuda Economia sabe: se a ordem é estocar comida, é melhor estocar mesmo. A lógica é que os mais medrosos correm logo ao supermercado e levam tudo o que podem. Se você não for, é capaz de acabar sem comida mesmo! Dito e feito, muita prateleira ficou vazia por aqui. O clima começou a pesar. No nosso apartamento (meu e da Raquel) até já tinha muita coisa porque o cidadão que nos alugou é natural de Miami, expert em furacão. Deixou para trás grande estoque de comida não perecível (leia-se junk food), além de pilhas, lanternas, velas e garrafões de água. Pra completar, enchemos d’água a banheira e todas as latas de lixo.

Sandy chegaria na segunda ou na terça. No domingo, recebemos mensagens cancelando tudo na universidade nos dias seguintes. Segunda-feira, a cidade parou: o comércio não abriu, não havia qualquer transporte público e quase ninguém nas ruas. Expectativa grande. Não estava ansioso, pra ser sincero, mas deixei a lanterna por perto... Passei o tempo trabalhando e tranquilizando a família por Skype. Até o meu pai, que nunca fica online, apareceu! Percebi que estavam todos muito bem informados no Brasil, mais do que nós. Enfim veio a terça e, no fim das contas, Sandy não passou de uma chuvinha insistente e um ventinho fraco por aqui. Paranoia de americano, pensei, com uma ponta de desdém.

Descobri mais tarde que não foi bem assim, infelizmente. Sandy fez estrago em muitos lugares bem próximos daqui. Conhecidos nossos ainda estavam sem luz e água uma semana depois do evento. Nos jornais, o menu de desgraças varia de saque a lojas a ameaça de leptospirose nas áreas alagadas. Nova Iorque viu uma das maiores enchentes de sua história e a bolsa de valores fechou por dois dias, assim como em 1888. 

E o Romney ainda pode ganhar as eleições por causa disso... Desconjuro! “Bom, não foi dessa vez que o mundo acabou”, ponderei hoje com o Steve. Conhecedor das profecias maias, ele retrucou na lata: “Claro que não. Isso tá marcado para dezembro.”

3 comentários:

Eva disse...

O texto do Lucas é ótimo e o Steve deve ser uma figura!
Eva

Ana disse...

Adorei o texto! Quero conhecer esse Steve que deve ser mesmo uma figura...

Ana disse...

Adorei o texto!
Quero conhecer esse Steve parece ser uma figura mesmo.