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segunda-feira, 29 de abril de 2013

A cidade-esfinge


Por Romeu Duarte                                               
Romeu Duarte

Primeiro, aos números. Habitada por aproximadamente 2.500.000 almas. Área de 313,14 km². Densidade de 7.815,7 pessoas por km², o que a faz a urbe mais densa do país. Um IDH de 0,786, um PIB de R$ 37.106.309.000,00 e um PIB per capita de R$ 15.161,47. Não, não há nada nem parecido com esta quantia na minha conta no banco. Quinta cidade mais desigual do mundo, atrás apenas de Buffalo City, Johannesburg e Ekurhuleni, estas situadas na África do Sul, e Goiânia, com aproximadamente um terço de sua população composta por favelados. Cerca de 7% de seus moradores com maior nível de renda apropria-se de 26% de sua renda pessoal total. Claro, essa não é nem de longe a minha turma.

À sua volta, uma região metropolitana em expansão e que lhe é totalmente dependente, contando atualmente 14 municípios (Aquiraz, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Guaiuba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape, Pacajus, Pacatuba, Pindoretama e São Gonçalo do Amarante), com uma população de 3.610.379 habitantes, uma densidade de 624,25 habitantes por km², um IDH de 0,767, um PIB de R$ 50.605.705.000,00 e um PIB per capita de R$ 14.016,73. Sexto setor do gênero no Brasil, entre as 120 maiores regiões metropolitanas do mundo e tendo como área de influência todo o estado do Ceará, o centro-oeste do Rio Grande do Norte, o centro-leste do Piauí, o leste do Maranhão, o centro-oeste da Paraíba e áreas do Pará e do Amazonas. Atrai estimadamente, com seus negócios, equipamentos e serviços, cerca de mais de 20 milhões de pessoas. Muita coisa, não?

Imensas áreas carentes de regularização fundiária. A rede urbana estadual macrocéfala, a metropolização descapitalizada, o povo chegando do interior de qualquer jeito, se arrumando de qualquer jeito, dando qualquer jeito para viver. A ocupação ilegal, consentida e estimulada das periferias paupérrimas e das áreas de risco. Irregularidades flagrantes na construção da esmagadora maioria dos seus imóveis, resultantes da ampla predominância da atuação leiga e da inexistente fiscalização municipal. O binômio cidade leste rica/cidade oeste pobre, enclaves conflitantes de pobreza e riqueza, intensa apartação social, Congo e Finlândia às vezes na mesma quadra. Transporte público ineficiente, quantidade absurda de veículos privados, mobilidade e acessibilidade comprometidas, engarrafamentos a toda hora e em qualquer lugar. Bang-bang da hora: permanente sensação de insegurança na campeã nacional de homicídios, 1.628 assassinatos em 2012, mais de quatro mortes por dia, a bolsa ou a vida quando não a bolsa e a vida.

Sem referência de espaço público de qualidade. Calçada, ciclovia, sinalização urbana e turística, mobiliário urbano, efeitos luminotécnicos, o que é isso? Descaracterização e destruição do patrimônio natural e cultural, que é daquele bosque, cadê o bangalô azul? Matas, dunas, parques urbanos, praças, jardins, áreas de remanso e convívio trocadas por prédios e mais prédios, pois é preciso gerar emprego e renda para o povo desta cidade miserável, minhas senhoras e meus senhores. “Poluição visual, sonora e atmosférica é a lei!”, grita o paredão de som, obstruindo o passeio. Densidade populacional altíssima sem diversidade de uso, ai de vós, Aldeota e Piramblues. A ponte estaiada, o metrô, o VLT, o Castelão, o aquário, o centro de feiras, tudo como meu mestre mandar. A cidade atropelada pelo Estado. Balneário para poucos, o resto cabe na bóia que flutua na lagoa poluída. Lazer de pobre é ficar no viaduto contando os carros dos bacanas que vão ao show do Paul McCartney, a cidade nos ouvidos e nos olhos, para além dos azuis céus suburbanos...

Planejamento urbano? Só se for como piada, falácia ou jeitinho. O planejamento dos planos urbanísticos sem desenho ou proposta, acríticos, a-históricos, abstratos, autoritários, cujo significado e serventia ninguém conhece, que só existem nos mapas, desrespeitados até pelo próprio Município. O planejamento do zoning, das macro e microzonas, dos índices, das taxas, dos percentuais, dos numerais, filho dileto da mais que defunta Carta de Atenas. Os planos inócuos dos belos desenhos coloridos sem caráter. A aposta no improviso e na desordem, as eternas soluções de afogadilho, tiradas do bolso do colete ou da bermuda. A crença no hoje, pois amanhã vai ser outro dia, se Deus quiser (ou não). O planejamento do “tem, mas tá faltando”, do “eu faço planejando e planejo fazendo”.

É este o preocupante panorama que vejo da minha janela, daqui onde estou, à frente da prancheta e do computador, a acompanhar os contornos das evoluções desta Fortaleza, cidade-esfinge, sob a chuva deste abril, o mais cruel dos meses.


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