Surpresa? Ou coragem de assumir de modo tão duro o cenário de polivalência que habita a convergência tecnológica? Em tempos de aparelhos capazes de fotografar, redigir, acessar a internet, ativar redes sociais e até telefonar, surge o raciocínio distorcido de que, se o dispositivo é multimídia, o usuário que o opera também o é. Isso se agrava ainda mais quando temos um pensamento tecnologicamente determinista que dita as mudanças a partir do cenário tecnológico, e não do conjunto de saberes específicos que orientam uma determinada profissão.
O óbvio parece, nesse caso, não ter sido percebido, ou foi deliberadamente ignorado. Uma equipe de fotógrafos, mais que operadores de sistemas e rotinas para a produção de imagens sobre o cotidiano, possui a habilidade de contar histórias com imagens, desenvolvendo para isso, um conjunto de saberes específicos vinculados à compreensão visual da notícia e seu impacto na sociedade. Saber se mover, entender o que está em jogo em determinada situação, cultivar fontes, enfim, um fotorrepórter, antes de ser um fotógrafo, é um jornalista que opera a câmera e a cadeia de produção de imagens.
Antes que esse texto possa parecer defesa de reserva de mercado, a ressalva a ser feita é inverter a situação: imaginemos se o fardo de assumir uma função a mais (algo que os repórteres de texto no caso receberam “de presente”, diga-se de passagem) fosse dos fotógrafos e, de uma dia para outro, eles tivessem que assumir a função de redigir as notícias? Como reagiria a comunidade de repórteres e redatores?
A justificativa para uma opção de travestir repórteres em fotógrafos está baseada numa ordem financeira, em que os departamentos de fotografia dos jornais sempre foram estruturas caras e onerosas, e pelo fato de, contemporaneamente, muitas das imagens mais vistas ou acessadas pertencerem a circuitos de vigilância, câmeras de celulares ou amadoras, produzidas pelos leitores e cidadãos comuns. Em um mundo de hipervigilância e hipervisibilidade, é óbvio que o fluxo de imagens produzidas por câmeras onipresentes vai compor o horizonte visual da construção da realidade em forma de notícia.
Em um mundo onde são produzidas milhões de imagens por dia, a fotografia numa visão estreita e míope, é apenas mais um conteúdo digital que é embalado ao redor do texto. Raciocínio direto: o que acontece com toda mercadoria que passa a existir em excesso?
Mas, ao falarmos de fotografia do dia a dia, feita de modo vernacular, estamos tratando de algo muito diferente da fotografia de imprensa e de notícia. Querer transportar o que acontece no geral para o específico de uma profissão é uma nítida falsificação, que só pode ser compreendida pelo viés econômico, pelo total descompromisso com qualidade editorial, e por largas parcelas de falta de respeito.
A crise precipitada no Chicago Sun-Times ocorre no choque entre o excesso de fontes produzindo imagens, levando a uma brutal queda do poder de negociação dos fotógrafos dentro das dinâmicas dos jornais, por espaço de trabalho e também remuneração. Assim, os canais de operação outrora estáveis hoje se afunilam e se deslocam de lugar, física e simbolicamente, de produção, saindo de temas mais densos e que exigem maiores aportes de cobertura.
É sintomático deste quadro também a produção do conjunto de imagens que se destinam mais ao acompanhamento de celebridades, do entretenimento e do sensacionalismo. Ou seja, assuntos que demandam uma formação de repertório, custo e problematização de baixo nível. Ao seu modo, há profissionais que também engoliram o caramelo envenenado do “óbvio eficiente”, conceito forjado pelo fotógrafo Hélio Campos Melo. Nele, a imagem não perdeu sua competência, perdeu a sua eficiência, porque só se faz o “óbvio eficiente”, ou seja, uma imagem mais pobre, sabendo que ela vai alcançar o maior número de pessoas, num universo dado. O difícil é fazer uma foto que leve a pensar um pouco mais, que reflita sobre o que está feito.
A questão pontual é que, se temos o excesso de imagens digitais, há a contrapartida da possibilidade de termos um fotojornalista em 200, 250 ocasiões de cobertura por ano, cobrindo pautas de modo sistemático, regular e capaz de gerar boas imagens. Na contraparte, um repórter-cidadão faz uma ou duas fotos, com sorte, sob o ponto de vista de noticiabilidade, jornalisticamente boas. Portanto, fora dos aspectos puramente econômicos e de gestão, não há competição. São posturas e conhecimentos diferentes diante dos fatos. Se houver dúvida quanto a isso, faço o desafio a qualquer editor de jornal: proponha aos seus leitores ficar de plantão, à noite, debaixo de chuva, sem hora para voltar pra casa, para obter uma imagem relevante e veja se ele topa sair do conforto de casa para encarar esse tipo de empreitada.
Lembrando um editor amigo que sempre falava que “todo dia tem jornal”, a questão posta à mesa parece clara: há um cenário que pede um reposicionamento de práticas, que agregue e filtre a enxurrada de imagens em que estamos imersos. Mas confundir esse estado de coisas com a necessária desarticulação de equipes de fotojornalistas é um equívoco que cobrará caro à sua adoção.
Porém, o caso do Chicago Sun-Times é um alerta. Não o primeiro. Quem capitaneou essa demissão em massa foi Tim Knight, que já havia feito exatamente a mesma coisa antes, no Newsday(eliminar o departamento de fotografia). Não há surpresa. Sob um ponto de vista cruel, frio e mesquinho, freelancerscustam menos que staff. Com o sinal vermelho aceso, cabe a quem é repórter fotográfico: 1) perceber que os valores editoriais não irão melhorar por si sós; 2) que a fotografia não irá se tornar, nos jornais e de uma hora para outra, algo valorizado. Para essas duas apostas vingarem, é preciso investir em conteúdos, práticas, repertório e criatividade capazes de reoxigenar a cadeia produtiva da fotografia de imprensa. Assim, talvez se encontre a rota de fuga do que surge da triangulação entre a falta de recursos, a falta de modelo de gestão e a falta de respeito. Hora de pensar e agir como o jogo será, e não como era.
A justificativa para uma opção de travestir repórteres em fotógrafos está baseada numa ordem financeira, em que os departamentos de fotografia dos jornais sempre foram estruturas caras e onerosas, e pelo fato de, contemporaneamente, muitas das imagens mais vistas ou acessadas pertencerem a circuitos de vigilância, câmeras de celulares ou amadoras, produzidas pelos leitores e cidadãos comuns. Em um mundo de hipervigilância e hipervisibilidade, é óbvio que o fluxo de imagens produzidas por câmeras onipresentes vai compor o horizonte visual da construção da realidade em forma de notícia.
Em um mundo onde são produzidas milhões de imagens por dia, a fotografia numa visão estreita e míope, é apenas mais um conteúdo digital que é embalado ao redor do texto. Raciocínio direto: o que acontece com toda mercadoria que passa a existir em excesso?
Mas, ao falarmos de fotografia do dia a dia, feita de modo vernacular, estamos tratando de algo muito diferente da fotografia de imprensa e de notícia. Querer transportar o que acontece no geral para o específico de uma profissão é uma nítida falsificação, que só pode ser compreendida pelo viés econômico, pelo total descompromisso com qualidade editorial, e por largas parcelas de falta de respeito.
A crise precipitada no Chicago Sun-Times ocorre no choque entre o excesso de fontes produzindo imagens, levando a uma brutal queda do poder de negociação dos fotógrafos dentro das dinâmicas dos jornais, por espaço de trabalho e também remuneração. Assim, os canais de operação outrora estáveis hoje se afunilam e se deslocam de lugar, física e simbolicamente, de produção, saindo de temas mais densos e que exigem maiores aportes de cobertura.
É sintomático deste quadro também a produção do conjunto de imagens que se destinam mais ao acompanhamento de celebridades, do entretenimento e do sensacionalismo. Ou seja, assuntos que demandam uma formação de repertório, custo e problematização de baixo nível. Ao seu modo, há profissionais que também engoliram o caramelo envenenado do “óbvio eficiente”, conceito forjado pelo fotógrafo Hélio Campos Melo. Nele, a imagem não perdeu sua competência, perdeu a sua eficiência, porque só se faz o “óbvio eficiente”, ou seja, uma imagem mais pobre, sabendo que ela vai alcançar o maior número de pessoas, num universo dado. O difícil é fazer uma foto que leve a pensar um pouco mais, que reflita sobre o que está feito.
A questão pontual é que, se temos o excesso de imagens digitais, há a contrapartida da possibilidade de termos um fotojornalista em 200, 250 ocasiões de cobertura por ano, cobrindo pautas de modo sistemático, regular e capaz de gerar boas imagens. Na contraparte, um repórter-cidadão faz uma ou duas fotos, com sorte, sob o ponto de vista de noticiabilidade, jornalisticamente boas. Portanto, fora dos aspectos puramente econômicos e de gestão, não há competição. São posturas e conhecimentos diferentes diante dos fatos. Se houver dúvida quanto a isso, faço o desafio a qualquer editor de jornal: proponha aos seus leitores ficar de plantão, à noite, debaixo de chuva, sem hora para voltar pra casa, para obter uma imagem relevante e veja se ele topa sair do conforto de casa para encarar esse tipo de empreitada.
Lembrando um editor amigo que sempre falava que “todo dia tem jornal”, a questão posta à mesa parece clara: há um cenário que pede um reposicionamento de práticas, que agregue e filtre a enxurrada de imagens em que estamos imersos. Mas confundir esse estado de coisas com a necessária desarticulação de equipes de fotojornalistas é um equívoco que cobrará caro à sua adoção.
Porém, o caso do Chicago Sun-Times é um alerta. Não o primeiro. Quem capitaneou essa demissão em massa foi Tim Knight, que já havia feito exatamente a mesma coisa antes, no Newsday(eliminar o departamento de fotografia). Não há surpresa. Sob um ponto de vista cruel, frio e mesquinho, freelancerscustam menos que staff. Com o sinal vermelho aceso, cabe a quem é repórter fotográfico: 1) perceber que os valores editoriais não irão melhorar por si sós; 2) que a fotografia não irá se tornar, nos jornais e de uma hora para outra, algo valorizado. Para essas duas apostas vingarem, é preciso investir em conteúdos, práticas, repertório e criatividade capazes de reoxigenar a cadeia produtiva da fotografia de imprensa. Assim, talvez se encontre a rota de fuga do que surge da triangulação entre a falta de recursos, a falta de modelo de gestão e a falta de respeito. Hora de pensar e agir como o jogo será, e não como era.
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