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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Elis Vive


Por Marcelo Carneiro da Cunha

Pois estimados milhares de leitores, rolou uma lágrima furtiva por esse meu rosto insensível, nesse exato instante. Meu erro foi clicar nesse link (youtube.com/watch?v=YL-TSspMl1o) e ouvir "Cais"cantado por Elis, acompanhada por um ilustre trio em branco e preto, como toda a grande música deve ser tocada e vista. O beiço está até agora tremendo. Com vocês acontece a mesma coisa?

Viva o youtube, viva a internet, viva a chance que temos de simplesmente cutucar um pouco e encontrar quase tudo de bom que já produzimos, para ver, ouvir, acreditar que sim, fomos capazes de criar tudo isso, e sim, tivemos, por mais incrível que pareça, uma Elis. Ela existiu, caríssimos leitores, e temos provas.

Eu a vi uma vez, tão pequena. Me faz lembrar a história do general espartano que removeu as penas de um rouxinol e disse, desapontado "É apenas uma voz, e mais nada". E mais tudo, estimado espartano, e mais tudo. Elis era uma voz e mais tudo. Olhem, ouçam. Não era?

No dia 19 de janeiro de 1982 eu estava em um trem na distante e fria Alemanha, quando alguém descobriu que eu era brasileiro e veio perguntar o que havia acontecido com Elis. Eu não sabia, fiquei sabendo naquele trem, e subitamente lá fora era não mais a Baviera, mas a Sibéria, caros leitores. A Sibéria. Desde então a gente passou a morar num frio siberiano, mesmo que nem sempre a gente perceba. Pois olhando para esses vídeos se percebe. Ouçam Meio de Campo, Canção do Sal, Ladeira da Preguiça, Tiro ao Álvaro, e, sugestão, não se arrisquem a ouvir Águas de Março, porque isso pode comprometer a alma e a cacunda de maneira irreversível.

Eu lembro de comprar Elis e Tom, em 74 mesmo, bem novinho, e ficar escutando junto com a minha namorada igualmente adolescente e apaixonada, muito mais por Elis do que por mim, no que estava muito certa. Aquilo era tão grande que até adolescente se dava conta de que havia algo no mundo maior do que o seu umbigo. Não é pouco, caros leitores, não é pouco.

Um amigo escritor defende a tese de que não existe "intérprete genial", pois a palavra genial é de uso restrito de compositores. Eu concordo discordando, mas discordo para valer no caso de Elis. Ela via o que estava lá e ninguém mais via. Ela via montanhas no meio do nada e provava. Ela transformava a nossa topografia cantando o que a gente precisava ouvir, de um jeito que ninguém jamais cantou antes, ou depois.

Eu não consigo deixar de pensar que o Brasil foi capaz de tudo isso, em pleno regime militar, apesar dele, contra ele, por conta dele. Havia Chico, havia Gil no melhor, havia Tom. E havia uma Elis juntando os pontos, dando sentido para a coisa toda, traduzindo para a gente um Adoniran, Milton Nascimento, no auge, cantando lindamente aquelas letras sem pé nem cabeça dos mineiros, cantando Bolero de Satã com Cauby Peixoto, minha gente. Alguém aí já ouviu o Bolero de Satã cantado pela Elis?

No momento dos trinta anos da morte física de Elis, vêm aí um ótimo tsunami de lançamentos, caixas e caixas da Elis que todos ouvimos e coisas que nunca ouvimos. Esse país desmemoriado aparentemente sabe o que precisa lembrar, de um jeito ou de outro. Elis, que nunca facilitou nada para ninguém, de alguma maneira conseguiu superar a obsessão brasileira com o isopor e nos fez sentir paixão pelo denso, pelo rico tecido da nossa musicalidade.

Eu fico pensando se com ela o nosso presente seria outro. Ela teria apenas 67 anos agora, se estivesse ainda mais viva do que está. Será que ela encontraria algum oasis nesse deserto que a nossa música virou? Eu creio que sim, eu sei que sim, e por isso dói tanto a falta que ela faz. Podemos e devemos ouvir o que ela fez e que é incrível, mas se ela estivesse aqui, ouvindo e olhando, quem sabe ela nos tiraria desse muito pouco em que andamos atolados? Hoje o Brasil me parece muito mais a sexta economia do que uma grande nação. Ouvindo Elis a gente se dá conta da diferença entre uma coisa e a outra.

De minha parte, assumo aqui o compromisso perante os meus milhares de leitores de que o Manuel Carneiro da Cunha, por enquanto com dois meses de idade, vai crescer e conhecer Elis. É o mínimo que se espera de cada brasileiro consciente dos seus deveres de cidadão.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5555843-EI8423,00-Elis+vive.html

3 comentários:

Lauro Perdigão disse...

Nem de longe sou nem tenho pretensão de ser o fã mais incondicional de Elis (se é que incondicionalidade tem graus), mas nem de longe ignoro o poder que essa mulher teve! Que velocidade do sangue em seus olhos! E que coragem que esse Doce de Pimenta enfrentava as adversidades. Que texto lindo e que injeção de "elisidade" ele me deu! A morte foi sábia em levá-la tão precoce, pois nesse mundo seria vítima de inveja proporcional ao incomensurável talento. E com certeza sua alma só descansa em paz nos nossos corações, pois em outros planos ela deve agitar os ouvidos dos mais afinados rouxinóis. Lauro Perdigão

ADEMAR AMANCIO disse...

Até que enfim li um texto sobre elis,sem lugar comum.parabéns.

ADEMAR AMANCIO disse...

ATÉ QUE ENFIM UM TEXTO SOBRE ELIS,SEM CLICHÊ.PARABÉNS.