Por Érico Firmo
O que de mais importante o Pré-Carnaval propicia para
Fortaleza talvez nem seja a alegria de quem brinca - embora seja essa
sua razão de existir e aquilo que lhe confere vigor. Também não é o
aspecto econômico o mais valioso. A relevância nessa área é crescente,
de fato. Não só na microeconomia que movimenta. A presença de turistas
cresce a cada sábado. Embora sem adequado trabalho específico dos órgãos
de turismo, há gente de outros estados que programa viagens já de olho
no mais longo período de festas da Capital. Quem está por aqui a passeio
nessa época dificilmente deixa de conferir. Mal comparando – pois há
abismo intransponível entre a tradição consolidada de uma e o histórico
recente de outra – é como ir a Salvador em janeiro e não assistir à
festa do Senhor do Bonfim. O potencial é muito maior do que se aproveita
hoje. Ainda assim, o peso já é considerável. Mas não é o fundamental.
Talvez o que de mais precioso o Pré-Carnaval represente para Fortaleza
seja a reconstrução dos laços do povo com os locais públicos da cidade.
A CIDADE COMO LOCAL DE PASSAGEM
Ao
longo das últimas décadas, os espaços de uso coletivo gradualmente se
converteram em ponto de passagem. Transita-se por eles, apenas e tão-só.
Claro que há exceções. Como regra, todavia, é no carro que hoje a
classe média e a alta estabelecem a mais intensa relação cotidiana com
Fortaleza. Lugares antes de convivência perderam tal característica.
Restringem-se hoje a pontos de ligação. A calçada, que recebia cadeiras e
era espaço dos encontros e brincadeiras das vizinhanças, hoje
normalmente é mero local para trânsito de pedestres. Ficam vazias a
maior parte do dia nas áreas nobres – onde andar pela rua é apenas
esporte. Ao crescer, a cidade se tornou mais perigosa, hostil, fria e
indiferente. Com isso, fechou-se nos espaços particulares. Praticamente
todo o lazer é privado: no shopping, no restaurante, na boate, no cinema
– que, aliás, ficou ainda mais recluso, ao sair da rua para dentro
também dos shoppings. No máximo, a interação com o espaço externo, no
lazer, costuma se dar nos bares que ocupam calçadas ao arrepio da lei. O
assunto foi abordado na revista publicada pelo O POVO no aniversário de
Fortaleza de dois anos atrás, em 13 de abril de 2010. Na ocasião, a
dimensão do problema foi exposta pelo sociólogo Mateus Perdigão. “Mesmo
com a praia, que é um espaço público, a gente só se relaciona de forma
privada: não vai à praia, vai para uma barraca de praia”, apontou à
época. Mateus é mestre em sociologia e, também músico do “Luxo da
Aldeia” – provavelmente o mais original dos blocos que se apresentarão
até fevereiro. Pois é justamente a subversão dessa antítese de cidade
que o Pré traz de mais valioso para Fortaleza. O reencontro se dá,
sobretudo, em espaços referenciais, como Praia de Iracema e Centro – mas
não apenas. A cidade começou a se redescobrir coletiva no Pré-Carnaval.
Isso não pode se perder.
VÍTIMA DO SUCESSO
Normalmente,
as coisas acabam porque não dão certo. Em Fortaleza, são recorrentes
exemplos daquilo que chega ao fim porque dá certo demais. No
Pré-Carnaval, começa a ficar longo o cortejo fúnebre de blocos extintos,
vejam só, pelo excesso de público. O mais emblemático caso talvez tenha
sido o histórico “Quem é de bem fica”, nos anos 90. No começo da década
passada, deu-se o mesmo na festa na rua Lauro Maia. O “Concentra, mas
não sai” teve de deixar o Mercado dos Pinhões por não mais comportar a
multidão. O amigo Magela Lima, em artigo aqui no O POVO, na
segunda-feira, comparou a festa fortalezense ao Galo da Madrugada, de
Recife (PE). O maior bloco de Carnaval do mundo sai numa cidade quase um
milhão de habitantes menor que Fortaleza. Caso fosse aqui, não teria
completado um terço de seus 34 anos. A mesma coisa teria acontecido se o
Carnaval de Salvador ou do Rio de Janeiro fosse realizado na capital
cearense. A festa crescer não é ruim: é ótimo. O transtorno é
decorrência óbvia de qualquer grande evento. Lembra quando, há mais de
dez anos, a cidade recebeu reunião do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID)? Um monte de vias foram fechadas, aulas foram
canceladas. Mas se julgou que valia à pena. E espera só para ver como
ficará Fortaleza em dia de jogo da Copa do Mundo de 2014. A confusão
causada é natural e óbvia. O que é necessário é se preparar para ela. A
falta de segurança denunciada é criminosa. Os blocos estão certos em
reclamar e ameaçar adotar atitudes extremas. A festa não precisa de
mártires. As pessoas fazem o Pré com paixão, mas não estão dispostas a
correr riscos desnecessários e evitáveis – no que estão cobertas de
razão. E esse é apenas o mais grave problema. Os banheiros químicos, por
exemplo, passam longe de atender à demanda, o que transforma a Praia de
Iracema num grande e fétido banheiro a céu aberto. Com um pouquinho
mais de organização, o evento poderá crescer muito mais, para virar
referência nacional e, talvez, até fora do País. O poder público deu
empurrão lá atrás, que tornou esse fenômeno realidade. Agora, precisa ir
além. Jogar por terra esse potencial é impensável e inadmissível.
Também
é necessário rever a gestão dos blocos. É natural que os organizadores
fiquem apavorados com o gigantismo que as coisas tomam. Mas quem faz
festa na rua deve estar preparado para isso. Caso contrário, melhor
receber os amigos no quintal de casa. É evidente, por outro lado, que
agremiações tímidas, a princípio, não estarão gerencialmente preparadas
para esse crescimento. É preciso suporte – óbvio que àqueles que
desejem. A maioria pretendia apenas reunir um pequeno grupo e, de
repente, percebeu que o evento adquiriu proporções descomunais. O que
significa muito mais trabalho e responsabilidade. Ninguém é forçado a
arcar com isso. Nesse caso, o destino é o fim de tais blocos. Mas, aos
que pretendem ir em frente e desbravar o potencial possível da festa, é
fundamental reestruturar o aspecto gerencial. Também aí, o suporte do
poder público é crucial.
http://www.opovo.com.br/app/colunas/politica/2012/01/27/noticiaspoliticacoluna,2774096/pre-carnaval-e-a-cidade-reclusa.shtml
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